Saturday, May 19, 2012

Não acreditar nos papões nem em teratologias políticas


Foi, todos o sabiam - e todos o elogiaram por isso - um nacional-bolchevista de retinta extirpe e um egomaníaco tão exigente nos rapapés como Mao, Tito, Kim il Sung e Estaline. O homem foi incensado como modelo de lucidez e destemor. Foi recebido e recebeu Nixon e Carter, de Gaulle, Pompidou e d'Estaing, Sadat, Juan Carlos, Isabel II, Paulo VI e Margarida II da Dinamarca, dele se cantaram loas, a ele se encomendaram panegíricos, numa tal competição desenfreada que os dicionários se esgotaram e os ribombantes ecos dessa versalhada barroca-comunista ainda nos enchem de espanto: Leão dos Cárpatos, Danúbio do Socialismo, Pai dos Romenos. Pois, Nicolau foi Grande Cavaleiro da Ordem do Banho, integrando o friso das maiores notabilidades do mundo dos imortais [mortos e vivos ] e para ele todos se viraram em assombro de admiração quando apoiou a "Primavera de Praga", se opôs à invasão do Afeganistão, reconheceu Israel e com ele manteve relações diplomáticas, reatou relações com o Vaticano e deu preferência aos negócios com o Ocidente.


No Estoril Film Festival, que terminou no passado fim de semana, foi a concurso uma espantosa "Autobiografia de Nicolai Ceausescu", assinada por Andrei Ujica. Ao ver o longo documentário, fiquei com a impressão que Ceausescu foi, à escala do seu país e do seu gabarito de sapateiro esfomeado e iletrado fugido à terra e arribado a Bucareste como pequeno gangster a soldo do Partido Comunista da Roménia, um homem em tudo diferente da lenda negra que por aí se mantém. Era um biltre, o lídimo representante da "classe operária no poder", mas tinha rasgo, sabia manipular os poderes que dominam o mundo e deu à Roménia a "epoca de aur" para a qual hoje muitos romenos olham com indisfarçável nostalgia. Cometeu três erros capitais: pagou a dívida externa até ao último lei, disse não ao gorbachismo da nomenclatura que queria salvar a pele a todo o custo para engrenar na transição do socialismo para o capitalismo com as alforjas cheias de ouro pilhado e, por último, acreditou no mito que outros haviam construído em seu redor. Ora, o golpe de 1989, começou por um levantamento popular anti-comunista, mas depressa se transformou num golpe de Estado liderado pela Securitate e pelo PCR. Aquela história ainda está toda por contar e só um desmiolado pode acreditar na grotesca encenação daquele julgamento ignóbil em que Ceausescu foi atado como um cordeiro sacrificial, encostado a uma parede e silenciado pelos seus cúmplices de véspera. Ceausescu, vendo bem, era um gigante quando comparado com os restantes líderes comunistas da Europa comunista, mas também gigante quando comparado com a generalidade dos governantes ocidentais que o elevaram às culminâncias e depois o deixaram nos arranjos do fim da guerra fria. Teimo que a razão capital acima aduzida - ter pago a dívida externa - foi decisiva para o desinteresse dos credores. Assim, ouçam-me governantes, nunca paguem a dívida. A plutocracia quer juros e quando a dívida é saldada, correis perigo de morte.


Partidul, Ceausescu, Romania