Saturday, May 19, 2012

Regressem aos clássicos meus caros



As pessoas perderam o domínio da língua. Pensam, erradamente, que o código escrito é análogo à língua falada. Ora, quem não sabe escrever não pode pensar correctamente, pois o desconhecimento das regras formais impede o ordenamento do discurso. Foi o que deu a porreirização do ensino que encontra nos últimos desenvolvimento do tecnocratês e do portinglês o nadir da expressão escrita. Deixem-se de fantasias, ponham de lado o lixo sub-literário dos autores de escaparate e dos prémios literários, voltem a Vieira e Camilo - pois Eça, insuportável poseur, era um fotógrafo-escritor - e esqueçam Pessoa a um canto da estante, pois a poesia, por muito bonita que seja, sempre foi perigosa tentação para quem não sabe escrever.

Conheci em tempos, nos tempos do mestrado, uma fulana que se ufanava de "só ler Filosofia". Era Hegel para aqui, Marx para ali, Kant para acoli, Aristóteles para acolá. Contudo, naquele deserto mental cheio de citações, faltava-lhe leitura. Nunca abrira um livro por simples impulso recreativo. A leitura era, para ela, uma obrigação para a "carreira", como o manual de carpintaria para o fazedor de cadeiras, uma pobreza de cultura dita geral - quem não a sabe, nada sabe - e um quase ódio a tudo quanto catalogava liminarmente de "erudição". Essa senhora é hoje "doutora em Filosofia", mas diz "hadém em vez de hão-de", "póssamos em vez de possamos", "quaisqueres em vez de quaisquer"; em suma, uma analfabeta a dar aulas a iletrados. O resultado ? A universidade que temos, os advogados, os políticos, os gestores e os jornalistas que por aí vão destruindo todos os dias o pouco que se salvou dos clássicos. Sim, Camilo vale dinheiro e é de curso mais confiável que as pontes desse Euro malfadado e da ditadura da febre do dinheiro e do sucesso que nos trouxe a este estado de não retorno.