
Há dois tipos de perigosos: os puros de qualquer coisa, aqueles que dizem viver por uma causa e se afirmam de convicções e os outros, aqueles que tendo sido o contrário dos puros, que jamais tiveram uma causa e nunca se lhes conheceu convicção alguma, receberam o fogo de uma pistis qualquer numa Estrada de Damasco. São os arrependidos, os que renasceram. Afirmava hoje uma das pitonisas de serviço que os "valores por que se bate são os de sempre, o que mudou foram as circunstâncias". Estou ciente que valores de sempre só há um e todos os demais estão condenados ao cemitério. As circunstâncias, essas, fazem puros para todos os serviços, mesmo que seja necessário matar a avó, estrangular o vizinho e deitar fogo a uma biblioteca.
As convicções deviam ser coisa reservada a anacoretas ou a filósofos, conquanto fossem proibidos de as passar ao papel ou de as divulgar. O mais perigoso nas ideias é a acessibilidade das formas. Os fanáticos de qualquer coisa - até da liberdade - estão para as ideias como os dentes para a boca: usam-nas mais para morder que para exercitar a linguagem. A linguagem é como uma escada. Começando a subi-la, vai-se até cima. As convicções, essas, não se pensam, estão lá, são inacessíveis ao argumento, à comparação e à discussão. Não tenham os ingénuos ilusões a respeito de quaisquer puros: à primeira oportunidade serão triturados pelos dentes dos "bem aventurados" e demais que se afirmam intérpretes de uma inteligência imperscrutável.