
Tenho um empregado Gurkha, sim, daquela "raça marcial" que serviu o Raj britânico e ainda possui uma brigada de elite no exército de Sua Majestade. Hoje, tinha a tv acesa e o noticiário debitava as imagens dos bombardeamentos que ontem a USAF, a RAF e a FAF lançaram sobre o exército líbio em nome de um qualquer direito supostamente outorgado pelas Nações Unidas. O direito, concerteza, é o da força e não o de qualquer princípio outro.
O homem olhou demoradamente, baixou os olhos e enquanto trabalhava disse sem a mínima alteração do habitual tom de voz calmo: "boss, eles querem dar a liberdade aos líbios e em troca pedem o petróleo. A partir de hoje o boss podia cortar-me o salário e dar-me democracia. Se eu não aceitasse a democracia em troca do trabalho sem ordenado, o boss batia-me até eu aceitar ser livre". E há quem diga que as almas simples como a do Guran não encerram mais conhecimento que todos os cartapácios de ciência política e relações internacionais !
Resumindo os últimos episódios.
1. Dá-se um levantamento espontâneo do "povo líbio" contra o tirano. O povo que se dizia armado apenas de convicções democráticas leva tudo de vencida e chega às portas de Tripolí. Desarmados, combatem o exército líbio durante três semanas. As tv's afluem à Líbia e os pacíficos protestantes estão armados até aos dentes e nos últimos episódios até já pilotam aviões.
2. O tirano, porém, não abandona o seu posto e reconquista o terreno. As tv's começam, então, a apresentar o governo líbio alternativo existente em Londres e afirmam a pés juntos que é uma distinta plêiade de estadistas de craveira que vai levar à Líbia a liberdade. Lembro-me dos notáveis líderes da oposição a Saddam que vieram nos contentores da "força internacional" que invadiu o Iraque e tem dado àquele país anos de abundância, paz e felicidade.
3. Agora, como os líbios não se sabem libertar, fala-se num corpo expedicionário que os libertará das agruras do despotismo.
Olha, o Gurkha tem razão. Por que razão não há bombardeamentos libertadores sobre a Costa do Marfim ? E as Nações Unidas, tão distraídas estavam quando permitiram o genocídio no Ruanda ...