
"Ils déménagent", ou, mais prosaicamente, eles fazem as trouxas. Hoje, um pouco por todo o Estado, os telefones não param. Pedidos, súplicas, silêncios, conversas em surdina. O emprego que está por um fio, a direcção geral que "cai com o governo", o tempo que se esgotou, as inimizades e invejas que se fizeram. Quem ainda na sexta-feira não se dignava dar os bons-dias; quem não recebia e mandava dizer "lá está esse chato, diga-lhe que estou em reunião"; quem se sentava no carro de hierarca e esperava que o motorista - um pobre diabo com o dobro da idade do micro-sátrapa - lhe fosse abrir a porta, quem tinha as ajudas-de-custo, as cadeiras D. Maria I, os candelabros requisitados aos museus e palácios que foram dos nossos reis e por dois ou três aninhos pertenceram a essa gente da geringonça; quem nunca trabalhou, começou por colar cartazes lá da secção e acabou com um curso poligrupo e alcandorado a senhor presidente disto ou daquilo; em suma, essa peonagem pirosa de parvenus deve estar assarapantada.
É sempre assim quando cai um governo, a fatídica mortandade das notabilidades que mal saem da barrica de ilusões deixam de ser reconhecidos na paragem do autocarro que os leva de volta para Loures, para Santo António dos Cavaleiros ou para o Fogueteiro. Os outros, os que querem entrar, estão também agarrados ao telefone. Esperam a luz, comem os dedos e roem o estômago. Insistem, não largam a porta da potestade da secção do partido. Há poucos lugares, a vaca emagreceu e a fila de peticionários já dobra a esquina; aliás, uma das esquinas, a da Buenos Aires e a do Caldas.
Depois, há ódios, como todos os ódios irracionais. Agora querem todos escorchar. Nunca houve socratistas, nem mesmo no PS. Como sempre em Portugal, há que procurar o culpado. Pior que o ódio, há a traição e a ingratidão. Muitos dos que serviram e juraram lealdade a Sócrates, prestarão juramento de fidelidade a outro, conquanto os mantenham no lugarzinho. Insistem e batem-lhes com a porta na cara, fazem uns telefonemas e voltam no dia seguinte. Podem cuspir-lhes em cima e até cobri-los de impropérios, mas amanhã lá estarão de novo. E conseguem. Os collabos de ontem são hoje os resistentes de sempre. Vão-se despir !
Liebe kommt einmal