Saturday, May 19, 2012

Liberdade de fugir



Por cada ano que passa, setenta a setenta e cinco mil portugueses saem do país. Voltam as costas. Batem com a porta. Dizem: "estou farto". Não, privações e ausência de horizontes económicos não são razões exclusivas para o exílio. Eu não tenho apertos financeiros e também sonhei com a fuga. A atmosfera do país tornou-se irrespirável. Um fulano tem um, dois ou três problemas e culpabiliza-se. Depois, começa a pensar e ao internar-se pela casa dos 40 tem dúvidas - dúvidas que se vão adensando - e chega à terrível conclusão que nada fez de errado, que é bom trabalhador, estudou, aplicou-se, superou-se. Erro trágico: não faz parte de pandilhas, lóbis e curibecas, não é um idiota, tem opinião. Olha à volta e verifica que tudo está nas mãos de nulidades, que gente insignificante montou uma verdadeira conspiração de imbecis e soldou as portas de ferro, que o Estado são "eles", que um concurso público é uma farsa e que ninguém entra ou sai. A saída, meus senhores, é a única resposta. Não morram emparedados vivos. "Eles" não deixam que V. existam; "eles" só o aceitarão se alguém vos passar o certificadozinho de imbecil; "eles" estão "lá" há quarenta anos, ou antes, estão "lá" os avôzinhos, os paizinhos e os filhinhos e não vão largar o osso tão cedo. No fundo, temos sorte, pois subsiste a liberdade, a liberdade de fugir.

Sim, a liberdade é coisa bonita, mas olhando para as últimas décadas, a democrcia parece só ter servido para os portugueses se ferirem mutuamente. Depois, transformou-se em oclocracia, antes de se coroar como cleptocracia. Só falta o estádio pornocrático, já instalado em Itália.