Saturday, May 19, 2012

Strauss-Kahn & Kadafi


Houve quem exultasse com a detenção de Strauss-Kahn e nela revisse um auto medieval sobre a inapelável justiça divina exercida sobre os poderosos lavando a honra dos pobres de Deus. Outros, mais afeitos aos tempos, uma vitória do "género" e a demonstração da bondade de um sistema judicial centrado no senso-comum. A América foi incensada e deu-se largas ao mais chão entusiasmo pela visão "uomo qualunque" que por todo o lado triunfa. Sempre achei que a historieta era dúbia, na qual os senhores da sordidez eram mais os predicadores da moral que o banqueiro priapista. Afinal, a mentira, a manipulação emocional, o fazer dos outros parvos e cúmplices corria do lado dos exaltados defensores da vítima deliberada. As coisas são sempre mais complexas e subtis do que as mentes reactivas e os afectivos espontâneos pensam. Aquilo foi, desde o primeiro minuto, uma luta que ultrapassava largamente o quarto do hotel, o banqueiro insaciável e a prestadora de serviços sexuais transformada em "mãe", "mulher", "vítima" e "imigrante". Foi uma luta entre banqueiros - uma luta de bastidores entre filhos de Abraão- para tirar Khan da ribalta francesa já ocupada por um certo Sarkozy, muito amigo dos banqueiros da Street. Foi, tudo o indica, uma tentativa concertada mas frustrada para retirar a Europa e o Euro de cena. Hoje, a "vítima" retirou a queixa. Amanhã será presa por perjúrio.


Outro caso de paixão e "pistis" para as massas telemobilizadas é a derrocada de Kadafi. O homem que foi conqueluche das lutas libertadoras, do terrorismo necessário e da propaganda pelo facto, passou a tirano insaciável, perdição dos oprimidos e dos famintos. A sua derrota sabe, no fundo, a vitória, pois foi necessário que as "fábricas da liberdade" se encavalitassem para ver quem deitava mais bombas sobre o povo líbio que não sabia como se libertar. Os revolucionários -agora revolucionário é todo o tolo que faz a agenda das petroleiras - chegaram a Tripoli. Não foi vitória militar coisa alguma. Depois de 7500 raides aéreos da coligação sem procuração da ONU, entraram por ali adentro e, pasme-se, não encontraram os V's libertadores. Tripoli está vazia. Os dois milhões de escravos do tirano fugiram. As ruas estão entregues aos libertadores e tenho a certeza absoluta de que amanhã começarão a saquear o que restou da era Kadafi. No dia seguinte à pilhagem, com as carrinhas atafulhadas do espólio, vão-se começar a matar uns aos outros em nome de miríficos direitos e democracias.