No quadro complexo da crise generalizada que perpassa diante dos nossos olhos - crise que parece ser a do Ocidente, mas é de todo o mundo, entretanto ocidentalizado nas formas, nos modos e aspirações - o colapso da respeitabilidade dos governos ocupa lugar destacado. Dir-se-ia que os governos perderam, quase todos, a eficácia e controlo sobre o rumo dos acontecimentos e que o fenómeno toca por igual os governos de autoridade, os governos totalitários e os chamados governos representativos. Com que direito se organizam cerradas campanhas apelando à guerra mais ou menos descarada contra governos autoritários, com que direito se bombardeiam países, se matam populações, desorganizam as suas instituições e se matam chefes de Estado em nome de certos valores se no Ocidente se lançam cargas policiais, gás lacrimogénio e se prendem centenas de pessoas sem mandado invocando as mesmas razões de que se socorrem os governos autoritários assaltados do exterior ?
A crise que vivemos é a crise da ficção dos governos. Na presente crise, a excepção parece ser a dos países onde não há governo. Na Europa em pré-bancarrota, o único país que se tem saído bem é a Bélgica, que esteve sem governo durante ano e meio. Onde há políticos e gestores do imediato, há crise; onde não os há, a crise parece resolver-se de forma natural. No fundo, a crise dos governos é a crise de um modelo. No Antigo Regime, que tinha governos mínimos, quase sem funcionalismo, os governos serviam o Rei e não se envolviam em minudências. Os chamados corpos intermédios cuidavam do essencial, resolviam os problemas e encontravam soluções. Hoje, que os governos são complexos, pesados, estão em todo o lado, legislam sobre tudo, as crises tornam-se generalizadas, invadem todos os campos da vida colectiva e imobilizam as sociedades.
Aqui na Tailândia, a tragédia das cheias veio confirmar a inutilidade do governo. As Forças Armadas, a única instituição não maculada pela inábil mão dos políticos, tem sido o garante da ordem e a única a responder às necessidades das pessoas. Tão atacadas há dois anos, demonstraram na presente crise humanitária que, afinal, mais importante que a logorreia dos parlamentos, das suas caras e carantonhas, há outros “partidos” que servem o bem-comum e reunem o pleno do apoio comunitário. Não fossem os soldados e a Tailândia estaria hoje a braços com actos generalizados de vandalismo e luta pela sobrevivência de milhões de pessoas que confiaram num governo que mais não sabe fazer que emitir comunicados e promessas.
Os governos representativos são coisa bonita, mas não resistem à mínima contrariedade. Pergunto-me para que servem esses parlamentos amadores, com 200, 300 ou 400 deputados reunidos em permanência – com as suas comissões parlamentares, as suas auditorias, os discursos de facção, as oposições – se não conseguem responder a solicitações tão básicas como o fornecimento de água potável e um prato de arroz a milhões de pessoas afectadas por uma calamidade natural. Sim, como no Antigo Regime, deviamos ter uns Estados Gerais de dez em dez anos, um governo escolhido e devidamente vigiado por um funcionalismo público especializado e pouco mais.
Ausência de governo representativo ? Não, porque no Antigo regime havia as liberdades que obrigavam o Estado a não ultrapassar os seus limites, havia os parlamentos regionais, as comunas e os corpos sociais sempre atentos à mínima tentação controleira do governo central. As pessoas clamam por liberdade – o mais precioso dos bens – mas começam a desesperar da intolerável inépcia daqueles que, embora eleitos, já não conseguem esconder a escancarada mentira de uma inutilidade prejudicial.