Saturday, May 19, 2012

Náusea ou "livre, sem lóbi, seita, loja, templo e partido, absolutamente indisponível para entrar em camarilhas, carregar malas e fazer de mainato"


O país, ontem como hoje, aguardando a comoção profunda do imprevisível. Sente-se no ar que algo acabou, mas não se sabe ainda o que está para vir. Já ninguém dá a cara por algo que dentro em pouco poderá comprometer. Lisboa continua, tristonha mas orgulhosa, a mostrar a estrangeiros as grandezas de um passado morto. Ontem passeei pela baixa e de um estrangeiro, deslumbrado com a vista de Santa Justa, a certeira punhalada: "vocês já foram tão grandes. Como puderam descer tão baixo ?"

Apetecia-me ter-lhe respondido com um comboio de nomes: Vasco Gonçalves, Otelo, Rosa Coutinho, Cunhal, Manuel Alegre, Mário Soares, Freitas, Sá Carneiro, Pintassilgo, Cavaco, Guterres, Sampaio, Barroso, Sócrates, CGTP, UGT, SUV's, RGA's, PREC, bancos e seitas, camarilhas e lóbis. Ele não compreenderia. Calei-me e senti que se não se fizer agora, amanhã não teremos mais que passado. No fundo, sinto-me feliz por não dever favor algum, de me ter transformado num estrangeiro no meu próprio país, ter assistido a todos os ultrajes e me manter fora de capelinhas. Como disse há dias a algumas amigas minhas, "mon pays me fait mal", após pagar 2000 Euros do meu bolso para garantir o sucesso de uma actividade que o Estado não pode pagar - tão falido anda - e receber de um dirigente do Estado a seguinte cuspidela: "encheram isto e agora temos de deitar todo este lixo fora". O "lixo" era, tão só, comida !

Como 98% dos meus concidadãos, só peço uma coisa, tão pequena que se escreve com meia dúzia de letras: justiça. Faz falta uma revolução - de Maio, de Junho ou de Janeiro - que varra o pântano e premeie o trabalho, o sacrifício e o patriotismo. Tudo o mais são teorias, modelos, retóricas.


Lisboa; Domingos Marques, Revolução de Maio (1937)