O esquematismo e a paixão toldam as pessoas mais razoáveis. A visão norte-americana empobreceu de forma dramática a análise das relações internacionais, forçando o alinhamento contra-natura entre o discurso de ficção gore e a decisão estratégica. Ao longo das últimas duas décadas perdeu-se, decididamente, essa elementar faculdade de análise ponderada que torna possível a abordagem compreensiva às realidades do mundo. Quem perdeu foi o Ocidente, que reduziu a caricatura grotesca tudo o que se lhe opusesse. Nunca como hoje, para nosso mal, o Ocidente esteve tão mal informado e tão incapacitado para compreender a complexidade do mundo. Incapacitado de compreender, rodeou-se de fantasmas - o "eixo do mal", "as armas de destruição massiva", "os hediondos ditadores", "o terrorismo" - que requerem cruzadas cósmicas cujo resultado é por todos conhecido.
A Coreia do Norte - assim como a Síria e o Irão - fazem as delícias do esquematismo e sobre tenebrosos recitativos de quase science fiction se vão acrescentando histórias a estórias, ao ponto de se exigir que a abordagem académica séria só seja aceite conquanto incluir adjectivação condenatória.
Ao seguir a reportagem de Kim Jong Il - fora do cenário da grande praça de Pyongyang - assalta-nos em doses iguais o ridículo de um pequeno homem rodeado de atenções que distribuiu casas (com papel higiénico e fósforos e tudo) aos aparatchik e aquilo que supomos estar por detrás do regime. É esta elementar dose de subtileza que se exige. Aquele regime deve ser pavoroso, é grotesco, o culto da personalidade que instituiu ultrapassa as mais delirantes distopias, mas não pode viver contra a vontade de toda a gente. Não haverá espaços de felicidade genuína ? É tudo propaganda ? É tudo encenado ? Se assim é, como pode um país a morrer à fome suportar o intolerável jugo de facínoras ao longo de quase setenta anos ? Que mistério é esse ?
A Coreia do Norte vive no nosso tempo uma utopia totalitária à 1930, um modelo congelado que subsiste, mas que não é - não as há - uma máquina do tempo. O medo que nos inspira advém simplesmente do facto de se apresentar como uma possibilidade alternativa ao nosso mundo, à nossa maneira de viver, às nossas aspirações e valores. Imagine-se o Camboja de Pol Pot se este não tivesse caído em 1979 e o seu jugo se tivesse prolongado por décadas até aos dias de hoje. A visão de cidades desertas de gente, na acepção de pessoas, tal como as entendemos, enche-nos de medo. Tudo o que rodeia a Coreia do Norte acciona medos e automatiza o estupor. Porém, o totalitarismo, ao invés de ter os dias contados, pode ter um futuro promissor. Há quem diga que o mundo, ao invés de marchar para aquilo a que chamamos de liberdade, poder aproximar-se lentamente de formas mais ou menos explícitas de totalitarismo. Aliás, nunca como hoje, foi tão grande o arsenal de meios de condicionamento e manipulação. Há quem se atreva perguntar se, também nós, não estaremos já a viver uma forma benigna de totalitarismo mascarado.
A Coreia do Norte vive no nosso tempo uma utopia totalitária à 1930, um modelo congelado que subsiste, mas que não é - não as há - uma máquina do tempo. O medo que nos inspira advém simplesmente do facto de se apresentar como uma possibilidade alternativa ao nosso mundo, à nossa maneira de viver, às nossas aspirações e valores. Imagine-se o Camboja de Pol Pot se este não tivesse caído em 1979 e o seu jugo se tivesse prolongado por décadas até aos dias de hoje. A visão de cidades desertas de gente, na acepção de pessoas, tal como as entendemos, enche-nos de medo. Tudo o que rodeia a Coreia do Norte acciona medos e automatiza o estupor. Porém, o totalitarismo, ao invés de ter os dias contados, pode ter um futuro promissor. Há quem diga que o mundo, ao invés de marchar para aquilo a que chamamos de liberdade, poder aproximar-se lentamente de formas mais ou menos explícitas de totalitarismo. Aliás, nunca como hoje, foi tão grande o arsenal de meios de condicionamento e manipulação. Há quem se atreva perguntar se, também nós, não estaremos já a viver uma forma benigna de totalitarismo mascarado.