As imagens de militares americanos filmados a profanarem corpos de inimigos estão a dar a volta ao mundo. Não é a primeira vez que tal acontece; aliás, que me lembre, desde miúdo habituei-me a estes instantâneos que colidem com ideia hollywoodiana do sorridente soldado americano, rural, temente a Deus, mascador de chicletes e distribuidor de chocolatinhos pelas crianças dos povos que vai martelando de bombas e napalm em nome da democracia, da liberdade e do mercado. Guerra é guerra, dizem aqueles que desconhecem que na guerra também há ética, também há princípios, também há leis e convenções, mesmo que o inimigo as não cumpra.
Depois de século e meio de guerras injustas - guerras de agressão, bombardeamento indiscriminado de populações civis - em nome de uma justiça de que o império se diz instrumento, com bombas atómicas no Japão, desfolhantes e "guerras secretas" no Laos e no Camboja, invasões sem justificação (vide Panamá, vide Iraque), chegamos a isto. A América não tem, decididamente, compleição para reinar sobre o orbe. É, não temamos as palavras, uma cultura insignificante, uma sociedade problemática, desestruturada e perigosa fundada na violência, no culto da força e da potência. Estas imagens aterradoras - que eu saiba, nem os SS ou os NKVD se deixaram precipitar em tão profundo abismo de rebaixamento - espelham sem artifício o carácter canalha dos cevados que andam aos tiros a proclamar a salvação dos povos e anunciar a boa-nova da nova ordem mundial. Depois de Dresden, Mai Lai, Abu Ghraib e do prémio Nobel para o chefe de tais libertadores, já pouco há a dizer.