Quando não lhe dá para o sol e os touros, dá-lhe para a moralzinha. Aliás, a direita portuguesa preza por ser como é: não ter ideias, não ler, fantasiar e criar fantasmas, ser absolutamente incapaz de justificar a sua existência e utilidade para além das costumeiras questões de cuecas, ceroulas, capotte ou não capotte, maternidade assistida e anti-maternidade assistida, IVG ou não IVG, tareia nas mulheres ou não tareia nas mulheres, educação sexual nas escolas ou não educação sexual nas escolas, DST's e demais coisas interessantes. A direita diverte-se com isto porque desconhece tudo o mais. Quando não lhe dá para o sexo, dá-lhe para a metafísica, coisas muito parecidas, pois uma e outra são fugas retóricas. Quem não compreende a humanidade, vira-se para a biologia ou para as nuvens.
Nas décadas de 10 e 20 do século passado andava pelo Chiado, de bengala em riste, a atacar os antros do "deboche". Era a célebre Liga para a Moralidade, também conhecida por Liga de Acção dos. Estudantes de Lisboa, comandada por Teotónio Pereira, que acusava meio mundo de viver na cama do próximo. Essas insignificâncias literárias que davam pelo nome de Fernando Pessoa, Almada Negreiros, António Ferro, Mário de Sá-Carneiro e António Botto foram atacados e espancados por esses justiceiros mosaicos. Pessoa escreveu então: Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (...) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível". Tudo acabou, em 1923, com uma queima pública de livros de uma "desavergonhada" chamada Judite Teixeira.Afinal, vieram a encontrar-se todos no Estado Novo: a Ferro como prodigioso criador dos grandes mitos de mobilização do regime, Almada como artista oficial da modernidade do regime, Botto como criador da "mística" da MP, Pessoa como bardo da Mensagem. Os moralistas de ontem, esses, nunca foram nada de especial, não acrescentaram um grama ao regime que os agasalhou e engordou, mas deles não ficou molécula de obra.
Sei que as pessoas mais tiranizadas pelo sexo são aquelas que mais falam dos assuntos de que ninguém fala, por pudor, por educação, respeito ou, até, por desinteresse. A direita portuguesa, sempre com o credo na boca, tem a particular característica de se saber enrolar na teia das discussões dos seus inimigos. Julga poder combater o BE assumindo-se como dique. Se é dique a alguma coisa, é dique de estupidez, pois assume sempre o papel odioso em matérias que não deviam sair do mais estrito reduto da vida privada. Assim vamos, cantando e rindo, ou, lembrando Almada: "coragem portugueses, só vos faltam as qualidades".
Para finalizar, uma historieta. Na Roma Antiga, era prática corrente abandonar crianças indesejadas em monturos de esterco ainda quente. O quente do estrume permita que as frágeis criancinhas não morressem de frio. Eram adoptadas e algumas eram chamadas de Kopros. Havia muitos Kipros na Cidade Eterna. Aqui também.
Para finalizar, uma historieta. Na Roma Antiga, era prática corrente abandonar crianças indesejadas em monturos de esterco ainda quente. O quente do estrume permita que as frágeis criancinhas não morressem de frio. Eram adoptadas e algumas eram chamadas de Kopros. Havia muitos Kipros na Cidade Eterna. Aqui também.