Saturday, May 19, 2012

A barricada de panados no pão

Duzentos mil desceram a Avenida para pedir o que não se pode pedir. Revolta de uma geração, levantamento contra o regime, reivindicação de uma nova política e de um novo rumo ? Não, infelizmente, os portugueses querem do mesmo mais e parece não terem dado as costas aos estafados mitos de 40 anos de regime. Tudo o que ouvi limitou-se a pedir, exigir mais dinheiro, mais crédito, mais "bem-estar", mais "modelo social europeu", numa profissão de fé nas calamidades ideológicas que nos trouxeram a este atoleiro. Foi o albergue espanhol. Os mesmos de sempre, que nunca abandonaram a ribalta, que são cativos e se julgam, dentro ou fora dos arranjos, os donos do futuro.

A revolução e a sub-cultura dos anos 60, as antiqualhas que trouxeram a anomia, desconjuntaram hierarquias, profanaram a educação, a justiça, a ordem e o orgulho português, mais a crendice nas soluções miraculosas, com cravos e grândolas vilas à mistura, uma longa procissão de equívocos onde tudo ressuma a velho, experimentado e falhado.

Os portugueses desabafam, acusam, listam os inimigos reais ou imaginários. Estão cansados, desiludidos, mas não avançam. Hoje à noite, sem revolução, nem mesmo uma janeirinha, gastarão horas a contar as façanhas de um longo dia em que a extrema-direita, o bloco de esquerda, o SOS, mais as amas, os precários, os recibos verdes, a JSD e o inefável Coelho da Madeira deram largas ao desabafo sem consequências. Não houve vibração, uma ideia, um princípio proclamado. Cada um estava ali para esconjurar fantasmas e se lhes dessem oportunidade para percorrer o cavaquismo, o guterrismo, o barrosismo e os bons e velhos tempos de cada-família dois carros, duas casas a crédito barato e uma viagem anual à república Dominicana, voltariam aos entusiasmos dos "novos desafios", dos "cursos da formação profissional", do banco em cada esquina.

A democracia parece estar em queda e a crítica realista à partidocracia está a conquistar gente à esquerda e à direita. O grave de tudo isto é que nada há que se possa apresentar como alternativa a um regime que não se discute e se foi transformando lentamente num aquário. Parece, infelizmente, que o problema não é conjuntural, mas algo ainda não completamente assumido por quem vira as costas mas não ousa pensar além do protesto.

O radicalismo é, em Portugal, coisa que não ultrapassa a piada. O extremismo foi sempre, entre nós, coisa para pequenas seitas e grupúsculos e há sempre um profiteur de jeunes a oferecer a miúdos semi-letrados soluções de há oitenta anos. Vi fulanos entrados nos 50's, que andam na margem da margem do clubismo político, gritando estribilhos, delidos de décadas, que falharam sempre e nunca tiveram a elementar coragem para pensar, por um minuto que fosse, na pequena responsabilidade que, eles também, tiveram no curso descendente da vida portuguesa.

Depois, o tom, o tom de uma geração que é a imagem acabada da educação que o regime proporcionou a duas gerações: a geração rasca e os seus educandos da geração à rasca. Venham mais rendimento mínimo garantido, mais sociólogos, mais funcionários públicos, estatais e camarários, mais subsídios de inserção, mais "ponha-se daqui para fora senhor guarda", mais "direito à indignação e ao protesto", mais grafittis e objecção de consciência e muitos, centenas de milhares de doutorzinhos e doutorecas produzidos pelas "privadas". Só não vale o trabalho manual. Operários ? Camponeses ? Padeiros ? Torneiros e electricistas ? Qual quê, para isso que venham os tailandeses e os romenos para a recolha da azeitona, os ucranianos e os nigerianos para a construçãso de auto-estradas e brasileiros para servir nos restaurantes.

A pior coisa do mundo é uma multidão sem cérebro. Ali tudo rolou avenida a baixo sem uma ideia. Gente e mais gente sem nada que pudesse remanescer. A grande mole esvaíu-se. Não houve um orador, não surgiu um líder de palavra mágica e arrastadora que garantisse nova enchente. Foram ali e não levaram nada para casa.


As pequenas invejas, as denúncias, tudo, claro, motivado pelas melhores razões. Até soube que há um engenheiro qualquer-coisa que teve a casa que o portador do cartaz cobiçou. As pessoas estão zangadas, mas não vão mais além. Hoje, Sócrates, Cavaco, os senhores deputados, os directores-gerais, os presidentes das EP's, mais os senhores autarcas e a infindável legião de boys podem dormir à vontade.





Le Chant du Pirate (Edith Piaf)