
Tão falho que sou de inteligência e argúcia, só há muito pouco tempo me apercebi de meia dúzia de evidências, por si suficientes para impugnar qualquer cândido sonho de intervenção política ou, tão só, de interesse pela coisa pública.
1. A esquerda portuguesa é, absoluta e inapelavelmente, desonesta: vive derrancada na cupidez de dinheiro e poder imerecidos, é predadora, intolerante e implacável ante tudo o que desconhece, condescendente e até paternalista para quantos não ousam incomodá-la, para além de ser insuportavelmente oligárquica e confiscatória. Gerou a maldita geração que tem hoje sessenta e picos anos, não deu um escritor ou um estadista, abjurou de todas as crenças juvenis e engordou alegremente. Diluiu-nos o passado, envenenou-nos o presente ao limite da pelintrice e emparedou-nos o futuro. Não saem, não sairão e teremos de os suportar por mais vinte anos, até que a biologia se esgote.
2. A direita portuguesa, essa, não existe. O que dela dá sinais resume-se a costumes, mais costumes, moral, moralzinha, predicações apocalípticas, teorias da conspiração, jeremíadas e sebastianismos. Tornou-se azeda, má, frustrada e como não tem qualquer formação - nem artística, nem literária, nem histórica nem coisa-alguma - todos os "valores" que proclama, o patriotismo que invoca e as bastas florestas de ideologia que glosa ad nauseam sem jamais lhe ter lido os textos transformaram-na numa caricatura. É o a-poder, um estado de espírito, um constante desabafo. Não vai a sítio algum e foi, com a sua ausência de inteligência, responsável pelos maiores desastres semeados pelas tontas bem-aventuranças da esquerda.
Convoca-se para sábado uma manifestação de "1 milhão". Tristes de nós, falhados na cópia das Europas, das URSS's e das Américas, agora reduzidos a macaquear o "modelo tunisino", o "modelo egípcio" o e "modelo yemenita". É evidente que tal manifestação não leva a nada. Começa no Marquês, acaba no Rossio e aí acaba a "revolução". Carrega esta manifestação dois mitos de sinal contrário, mas perfeitamente coincidentes com a direita e a esquerda que temos: o mito direitista da Maioria Silenciosa e o mito esquerdista da Revolução. A Maioria Silenciosa em Portugal quer duas coisas: ver televisão, com muito futebol e Goucha e ter um copo na mão e um cigarro nos queixos. Revolução ? Que canseira ou que tremendo disparate, pois aqueles que estão no poder há quase meio século são, acabadinhos, os arautos da revolução.