
Há tempos, de espada ardente e justiceira, tal como enviados do velho deus de Israel, iam-me lapidando por ousar afrontar a inocência da pobre criada de quarto atacada, humilhada e brutalizada por um predador incapaz de refrear os apetites genésicos. Confesso que ao tomar conhecimento de tal nefando e imprescritível atentado (brinco), levantei duas objecções, uma de forma - o estilo americano, que não é de confiança pelo menos desde os processos de Salem, em 1692 - e outra de conteúdo. Esta, a mais importante sem dúvida, pois permite-nos diagnóstico claro da estupidez trepadora das novas modas da periférica cultura dita "norte-americana", assim como da sobrevivência de velhas crenças que, de tão odiosas, foram banidas na Europa e enviados os seus bacilos pestilentos através dos Pilgrims.
Consabido é que aquela sociedade, dominada pelo ressentimento sexual e pelo terror das letras escarlates, é uma das mais atrasadas e insignificantes e continua a ser, sem tirar, uma aldeia que cresceu sobre o mundo e se converteu na referência do chamado Ocidente. O moralismo jeovático, um sistema judiciário arcaico que confia a cidadãos rifados ao acaso a parte de leão nos processos, a existência de procuradores incapazes de se libertarem da agenda política e de juízes aterrorizados pela ideia de contrariarem as modas dominantes gera processos como o de Strauss Kahn. Depois das algemas, das fotos, do retirar da gravata, cinto e atacadores, da barba por fazer durante cinco dias, só nos resta perguntar que diferença haverá entre o sistema judicial americano e o iraniano. Ou não são os EUA, logo a seguir à China, o país onde legalmente mais se mata ? Neste particular, os EUA são um pouco o Irão da democracia: guerras santas, fatwas, etc, etc. Bem, não é isso que importa. O atavismo vistas-curtas, o mais chão sectarismo baptista casou-se recentemente com o politicamenye correcto.
Um dos pilares do politicamente correcto é o "género". Transformou-se em ciência e dá pano para mangas; mais, dá para guarda-fatos a perder de vista. Se um trabalho universitário não abordar o "gender", a "visão feminina", os gendered landscapes, as psicoanálises do texto feminino e mais disparates, corre o risco de ser banido. Dizia-me um amigo que os gender studies são a forma agradável de levar para a universidade "le bordel" (francês) e levar a universidade para "le bordel". Tem papisas, "pensadoras", "autoridades", "profetizas" e pregadoras, habitualmente uns sacos de carne com óculos de massa, cabelo curto cortado a máquina Zero com franjinha à frente, tudo metido numas gangas a rebentar pelos costuras. É a admirável américa, que para além dos Donuts com 700 calorias, conseguiu a proeza de transformar em ciência oficial o natural interesse pela fornicação !
Afinal, a vestal ultrajada, violada e agredida pelo predador era, nem mais, uma prostituta, uma traficante de drogas, uma lavadora de dinheiros suspeitos. Ao politicamente correcto de mãe solteira, africana, muçulmana, seropositiva e mulher (caramba, que comboio de causas justas) juntou-se aquilo que era a figura real. O boneco da vítima - a generalização motivadora de uma "causa" - desabou sobre a figura real e agora não sabem o que fazer. Não faz mal, enterrem a mãe solteira, africana, muçulmana e seropositiva e vão à procura de outra "causa" que permita explosões e bandeiras da genderização. A visão fotonovela da vida continua a imperar, por vezes com luxuosas encadernações em pele de carneira carmesim com ferros a ouro e lombadas com nervuras. Ora, vão-se despir !